Governo sanciona “ECA Digital” e especialistas avaliam impacto
Por Redação
19/09/2025 às 09:17:47 | | views 3163 @Kampus Production
Nova lei prevê verificação rigorosa de idade, proíbe loot boxes e impõe multas milionárias a plataformas que descumprirem regras
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta semana a chamada Lei do “ECA Digital”, norma que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para regulamentar a atuação de crianças e adolescentes em ambientes digitais. A legislação, já em vigor, tem como foco combater a adultização precoce de menores na internet e impor obrigações mais rígidas às plataformas digitais — que podem ser multadas em até R$ 50 milhões por infração.
Entre as principais medidas estão a exigência de verificação confiável de idade, a proibição das loot boxes (caixas virtuais com prêmios aleatórios, comuns em jogos online), a retirada imediata de conteúdos considerados gravíssimos — como pornografia infantil, incitação à automutilação e assédio — e a obrigatoriedade de ferramentas de controle parental.
O texto também determina que as plataformas adotem ações “razoáveis” para restringir o acesso de menores a conteúdos impróprios, como violência, exploração sexual, jogos de azar e publicidade abusiva. A retirada de conteúdos poderá ocorrer sem ordem judicial, desde que haja notificação da vítima, de seus responsáveis, do Ministério Público ou de entidades de defesa dos direitos da criança.
Avanço, mas com lacunas e riscos operacionais
Para Marco Antonio Araujo Jr., advogado e presidente da Comissão de Direito do Turismo, Mídia e Entretenimento do Conselho Federal da OAB, o projeto representa um passo importante diante do atual vazio regulatório no ambiente digital. “O apelido ‘ECA Digital’ faz sentido porque o ECA original não previa mecanismos de moderação ativa, controle parental ou restrições específicas à publicidade dirigida a menores. É um avanço, mas ainda deixa lacunas importantes”, afirma.
Um dos pontos destacados por Araujo é a ausência, até então, de dispositivos legais que tratem especificamente da sexualização precoce na internet — fenômeno relacionado à exposição de crianças a conteúdos e estéticas adultas em plataformas digitais. “O ECA já tipifica crimes como pornografia infantil, mas não trata da adultização como estratégia digital. A nova lei preenche parcialmente essa lacuna”, avalia.
Apesar das novidades legais, Araujo ressalta que o papel dos pais e responsáveis continua sendo essencial. “Estar dentro de casa não é sinônimo de segurança. Os responsáveis precisam supervisionar o que os menores estão fazendo no ambiente digital. A lei ajuda, mas não substitui a educação e o acompanhamento familiar.”
Liberdade de expressão e riscos de censura
O texto aprovado pelo Congresso preserva dispositivos para garantir a liberdade de expressão e de imprensa, limitando a retirada imediata a conteúdos de alta gravidade. O objetivo é evitar que a norma seja usada como instrumento de censura ou bloqueio de discursos legítimos.
Essa preocupação é compartilhada por Alexander Coelho, advogado especialista em Direito Digital e membro da Comissão de Privacidade e Inteligência Artificial da OAB-SP. Para ele, o desafio da regulação é manter o equilíbrio entre proteção e liberdade.
“Regular o ambiente digital não é simples. A fronteira entre proteção e censura é muito tênue. Há risco de instrumentalização da lei por agentes que queiram suprimir conteúdos inconvenientes sob o pretexto de proteger menores”, afirma.
Coelho também alerta para o risco de que plataformas, sob pressão das sanções previstas, adotem mecanismos automáticos de moderação, resultando em remoções equivocadas ou excessivas. “Algoritmos erram, e erram em escala. Quando esses erros atingem a liberdade de expressão, o prejuízo democrático é alto. A aplicação da norma precisa ser técnica, proporcional e transparente”, adverte.
Implementação dependerá das plataformas
A efetividade do ECA Digital dependerá, em grande parte, da capacidade técnica das plataformas em aplicar filtros de conteúdo e verificar a idade dos usuários. A prática comum de autodeclaração será substituída por mecanismos mais robustos, ainda a serem definidos. Isso representa um dos maiores desafios operacionais da nova legislação.
Além disso, a lei impõe que pelo menos um canal de denúncia esteja disponível para usuários reportarem conteúdos impróprios envolvendo crianças. O descumprimento de qualquer uma das obrigações pode acarretar sanções que vão de advertências a multas de até R$ 50 milhões por infração, conforme a gravidade e o porte da empresa.
O que muda com o ECA Digital:
• Verificação rigorosa de idade (fim da autodeclaração);
• Proibição das chamadas loot boxes em jogos digitais;
• Obrigatoriedade de retirada imediata de conteúdos gravíssimos, sem ordem judicial;
• Plataformas devem prevenir acesso de menores a conteúdos impróprios;
• Fortalecimento do controle parental;
• Multas de até R$ 50 milhões por descumprimento.
Caminho ainda em construção
Com a sanção, o Brasil se junta a um grupo crescente de países que buscam frear a exposição precoce de crianças a riscos digitais. Ainda assim, especialistas destacam que o caminho para uma internet mais segura para menores depende da combinação entre legislação, tecnologia, educação e responsabilidade parental.
A regulamentação de pontos operacionais e a definição de critérios técnicos ainda deverão ser objeto de regulamentações futuras e debate contínuo entre sociedade civil, governo e setor privado.